Manifesto Minha Fotografia

Texto escrito originalmente para a Revista Trama em 28/02/2020:

Eu acredito no afeto. Acredito mesmo que o carinho e o amor transformam. Destacá-los em meu trabalho é a maneira que descobri para fazer o que eu faço.

Acredito no humano. Acredito no que nos torna humanos, na humanidade dos gestos.

Acredito na cultura. Acredito nas cores. Acredito nas caras. Acredito nas casas. Acredito no interior. Acredito na fé, apesar de não acreditar em religião.

Acredito na natureza, talvez seja a que mais acredito. Acredito no sol e na chuva, na lua e no vento. Acredito no que os olhos não veem.

Acredito nos artistas. Acredito em artistas que nascem artistas. Acredito em artistas que se expressam transbordando sentimento.

Acredito no povo. Acredito nas pessoas. Acredito demais, às vezes. Mas esse acreditar é vital para meu processo criativo e reflexivo. Acredito na minha ingenuidade pois ela me trás mais sensibilidade.

Acredito nas crianças, me identifico com elas. Acredito em seus olhares e em seus atos. Acredito no que elas acreditam.

Acredito em quem se mobiliza e se engaja, quem é curioso para viver e conhecer outras realidades. Acredito que viajar me mantém vivo.

Não acredito em armas. Não acredito em sangue. Não acredito em histórias mal contadas.

Não acredito no sistema policial, não acredito em fotojornalista de direita, não acredito que jornalismo seja imparcial, porque é um recorte de um indivíduo.

Não acredito em estereótipos, mas acredito em clichês. A tentativa é evitá-los, no entanto.

Não acredito no formato educacional vigente. Acredito que o período escolar foi definitivo para moldar minha personalidade e acredito que essa fase das nossas vidas merece um melhor cuidado.

Acredito em quem não tem sobrenome mas sei que no sistema prevalece quem tem. Por uma época, fui “sobrinho” de uma jornalista influente em parte do Rio. Éramos amigos, mas ela tinha 50 anos e eu 15, então viramos tia e sobrinho. Percebi como as pessoas te olham diferente quando te identificam parte da elite.

Não acredito em ambientes elitistas, consequentemente. Não acredito em quem faz política da casa do Caetano Veloso na Vieira Souto. Acredito, porém, na responsabilidade social que as pessoas famosas tem.

Não acredito que fama legitima. Acredito que fama amplifica, ou seja, aumenta a responsabilidade. Acredito que trabalho feito com responsabilidade legitima.

Não acredito no photoshop, não acredito em limpeza de pele e “aperfeiçoamento” dos traços. Não acredito nos “modelos” que a indústria propõe.

Não acredito quando a motivação é a vaidade. Acredito que o foco do meu trabalho são as histórias que estou documentando. Acredito que os fotografados detêm o poder da narrativa, não eu.

Não acredito em rede social. Atualmente elas validam muita coisa sem validade -- e o contrário também. Não acredito em comentários que endeusam e nem acredito em comentários que detonam. Acredito no trabalho que faço.

Acredito na troca, no crescimento coletivo. Acredito em menos julgamento e mais entendimento. Acredito em diversas verdades, não apenas a minha. 

Acredito piamente na conversa. Acredito que ela é a base da democracia. Acredito na conversa como troca de ideias com abertura para reflexão. Não acredito em tentativas de convencimento (nem de cancelamento).

Acredito em trabalhos que chegam porque querem meu olhar e não porque foi o menor orçamento. Acredito em quem responde emails, mesmo com negativas. Acredito na gentileza.

Não acredito tanto em equipamento. Acredito em olho. Acredito em tecnologia como ferramenta para nos ajudar a chegar mais longe, mas acredito mais na sensibilidade do olhar.

Acredito no olhar feminino, principalmente. Acredito muito na maneira como as mulheres olham o mundo e acredito que a fotografia e o audiovisual precisam de mais mulheres colocando suas visões.

Não acredito tanto em homens héteros da fotografia como já acreditei. Algumas de minhas referências mudaram, alguns olhares se tornaram mais críticos. Acredito em atualizar referências.

Não acredito em quem faz fotografia para inflar o ego. Não acredito em quem faz fotografia por prêmios, nem por dinheiro. Não acredito em quem não entende que o fotojornalismo é necessariamente voltado para o outro.

Acredito em fotojornalista gay. Acredito em diretor de novela negro. Acredito em cineasta indígena. Acredito que veremos mais diversidade em um futuro que se aproxima porque aprendi que é na resistência que crescemos.

Acredito em um futuro mais diverso para a fotografia, menos machista e menos elitista. Acredito em menos violência e mais afeto. Em menos coragem para estar no front e mais coragem para expor nossas próprias vulnerabilidades.

Acredito que nossa fotografia melhora conforme nós melhoramos como seres humanos.

Restrospectiva 2019

Comecei o ano em Brasília, para viver a experiência antropológica de estar na posse do bozo. Foi desgastante, porém terapêutico. O ano virou em ritmo de trabalho (apesar de ter ido por conta própria) e diria que isso guiou a energia do resto de 2019.

Janeiro seguiu e passei o mês em São Paulo. Voltei ao Rio dia 24. No dia 25 a barragem de Brumadinho se rompeu. Dia 26 estava lá, que foi a cobertura mais forte até hoje que participei. 

Voltei para o Rio em meados de fevereiro, depois de um “retiro” no mato de Minas para ajustar a cabeça antes de retornar ao cotidiano. Emendei com a cobertura do carnaval, blocos e Sapucaí, já em março.

Também em março fui à Vitória fotografar uma campanha linda para o Instituto Natura. Em abril, voltei à Brasília, onde cobri o ATL para o El País e conseguimos ser capa da edição internacional do jornal espanhol.

Em maio fotografei ex-presos acusados de serem os primeiros milicianos do rio, em uma entrevista que me ensinou muita coisa. Fui à Cachoeiro do Itapemirim, à trabalho. Em maio passei outra temporada em SP.

Em junho fui à Manaus e Parintins, para a festa do boi bumbá. Voltei absolutamente apaixonado e viciado. Em julho fui à Buenos Aires e tive a oportunidade de viver uma experiência de luxo em uma viagem a trabalho para a revista Claudia. Inesquecível!

Em agosto fui a NY por duas semanas fazer dois cursos da Reuters. Na terceira semana estava no Xingu, cobrindo o Xingu+. Na quarta semana fiquei na região para cobrir as queimadas na Amazônia.

Em setembro comecei o trabalho para o Prêmio Espírito Público em que viajei por 16 cidades, 14 estados, retratando os 18 vencedores. No meio, outra temporada amazônica: fotografar a festa das mulheres kayapós para a própria associação indígena deles por 10 dias.

O trabalho do prêmio terminou em outubro, na Bahia, onde tirei 4 dias em Boipeba. Na volta da folga, fiquei em Salvador para cobrir o óleo no litoral baiano por duas semanas.

Praticamente emendei Bahia com Regência, no Espírito Santo, onde passei o mês todo de novembro para tirar férias. Que continuo vivendo, agora finalmente de volta no Rio, até meados de janeiro. Muuuito obrigado 2019 e que venha 2020!!!

Viva os 30!

Os últimos três anos foram desafiadores. De 2016 para cá minha vida mudou. Durante uma crise, nesse ano, entendi que a vida só acontece pra quem se joga. E resolvi me jogar. Abrir mão da segurança exige coragem profunda.

Parei de fotografar moda e encerrei uma fase da minha vida em que eu vivia pelos outros. É um exercício constante focar em mim e não na opinião alheia. E com a ajuda da terapia, iniciada na crise de 2016, posso dizer que esse processo me trouxe uma felicidade que eu nem sabia que existia.

Quem eu sou? Quem eu quero ser? Fotojornalista, cacete! Gay, cacete! Eu sempre soube disso, sinto que nasci fotojornalista — e gay. Sinto que corre no meu sangue, sinto na minha respiração, sinto na minha intuição.

“Mas dá menos dinheiro que a moda, como sustentar a vida que levo e construí com muita ralação? E como assumir pro mundo que eu gosto de caras?”. Constatei que o medo do que poderia vir era menor do que a dor de viver infeliz.

Me agarrei na intuição, na terapia e nos amigos e mudei a vida. Reduzi custos e contas ao máximo, saí da minha antiga casa. Assumi — pra mim e — pra um amigo que estava envolvido por ele, saí do armário. Adaptei minha realidade e me abri pro incerto porque estava fazendo o que amo. E sendo o que amo.

Dia 31 de dezembro de 2017 foi muito especial. Foi a primeira vez que eu encontrei um cara. Na noite desse dia, a foto do réveillon viralizou. Coincidência?

Acredito que boa sorte é retorno das boas energias que você manda pro universo. Sou fiel à lei do retorno. E tenho muito capricórnio no meu mapa, então missão dada é missão cumprida.

Foram 13 anos de fotografia ralando muito, com muita honestidade, sensibilidade e verdade em mim e no meu trabalho. E foram 28 anos até me sentir pronto para assumir para mim mesmo onde estava o meu prazer.

Por mais que demorasse, eu sabia que uma hora germinaria. E em 2018 germinou. A colheita tem sido absolutamente fantástica. Valeu a pena cada passo, cada preço pago para chegar aqui (só nós sabemos a dor e a delícia de ser o que somos, né, Caê?).

Aos 30 me vejo no momento mais feliz da minha vida. E sei que tem muita lágrima pra rolar ainda, de alegrias e tristezas. Não estou pleno, pelo contrário, tô mais frito do que nunca. Preciso urgentemente lidar melhor com a ansiedade. Mas agora me sinto com uma nova perspectiva da vida.

As prioridades mudam, a autoestima muda, a noção de si enquanto ser humano muda. Envelhecer tem essa parte magnífica. E ver tanta tristeza no dia a dia do meu trabalho me faz querer viver a vida com cada vez intensidade. Viva os 30! Vem com tudo, quarta década, que eu tô só começando.