são 3h40 da manhã. perdi o sono depois de sonhar que via uma lanterna acesa descendo a trilha para chegar até o barraco que estamos.
estamos no meio da floresta. deitados em redes, entocados nos nossos barracos — feitos de troncos de árvores finos porém firmes e cobertos por uma lona plástica. a minha rede faz muito barulho quando me mexo, então evito me movimentar muito. é possível ouvir o sono dos meus vizinhos de barraco.
o som da floresta é como uma orquestra. o sapo ronca mais alto do que todos os bichos, dando o ritmo da sinfonia. no fundo, grilos e outros insetos, eu imagino, fazem a base da melodia. tem uma coruja danada de afinada também. é um silêncio barulhento.
tudo está escuro ao redor, menos o céu. o céu visto da floresta é a coisa mais linda! quanta estrela, quanta luz. é possível ver as silhuetas das árvores projetadas contra as estrelas. algumas gotas de orvalho pingam das folhas altas, batendo forte na lona que cobre o barraco e incrementam a sinfonia.
me levanto para fazer xixi no mato e me espreguiçar. a cozinheira acorda e pergunta quem já levantou. respondo que procuro o casaco para vestir. está frio na floresta durante a noite. é gostoso e estranho. porque de dia o calor é úmido e muito forte. aqui a gente sua muito. e passa frio.
vou voltar a dormir.
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Nas fotos:
1) Nilda, uma das poucas paraenses que encontrei pelos garimpos, cozinha o jantar com uma lanterna de cabeça — não tem energia elétrica nesse acampamento. A comida dela é realmente muito boa e Nilda é um amor de pessoa. Conversamos muito nos dias que passamos juntos no garimpo, dividimos o mesmo barraco.
Ela nasceu perto de Santarém (PA) e sempre sonhou em trabalhar em um garimpo. Quando nos conhecemos estava na terceira semana apenas e se mostrava totalmente adaptada. Um doido até se apaixonou por ela. “Eu disse pra ele que não vim pro garimpo pra casar, eu vim pra trabalhar”. Arrocha, Nilda!
2) O anoitecer no acampamento no meio da floresta depois de um dia de trabalho. O jantar geralmente tem os mesmos ingredientes do almoço: arroz, feijão marrom, mandioca ou batata, uma carne de panela e farinha de puba (que quebrou meu dente no início da viagem). Depois eles ficam papeando um pouco e logo vão para suas redes dormir. Às 20h, aproximadamente, a maioria já está dormindo.
3) Massa de empada: é como chamo o ouro que vejo saindo dos garimpos, como esse da foto. Eles parecem pequenas massas de empada. E são pesados. Tão pequeno e tão valioso. E quanto mais perto de 99% for o teor, mais caro ele custa.
No processo final da extração do ouro, ele acumula no fundo da bateia (aquela panela tradicional dos garimpeiros) e usa-se mercúrio para unir todos os farelos de ouro em uma amálgama que em seguida será queimada para que o mercúrio evapore deixando o ouro massa de empada que saiu de uma área de preservação ambiental pronto para ser vendido nas casas de compra de ouro como um ouro extraído legalmente — a legislação conta com a boa-fé de quem vende e de quem compra para assegurar a origem lícita do metal e muitas notas fiscas ainda são feitas à mão nas compras de ouro do Pará.
Hoje, cada grama de ouro equivale de R$ 240 a R$ 280 para um garimpeiro (com taxas descontadas).