O resgate de Regência:
Vila capixaba luta para se reerguer 30 meses após o pior crime socioambiental da história do Brasil à época
Resistência está na essência dos descendentes dos índios botocudos que moram às margens do rio Doce
Fotos e texto: Lucas Landau
Espírito Santo, Maio 2018
O ano é 1887. O cruzador Imperial Marinheiro se aproxima demais da foz do rio Doce e naufraga ao bater em um banco de areia, no norte do estado do Espírito Santo, ponto famoso à época pela difícil navegação. Dos 142 a bordo, 128 sobreviveram graças ao pescador Bernardo José dos Santos, o único morador de um pequeno vilarejo entre o Atlântico e a foz do rio Doce que conseguiu enfrentar a correnteza do rio e o mar perigoso, nadando até o barco com uma corda amarrada à cintura.
Emocionada, Princesa Isabel condecora Bernardo com uma medalha de ouro em um gesto de gratidão àquele que já havia se tornado um herói nacional. A princesa regente do então Império do Brasil oferece também um presente. Aos 28 anos, o pescador filho de uma indígena, que poderia escolher qualquer riqueza, pede um farol para aquela “esquina” entre rio e mar. Sua intenção era evitar futuros acidentes para os pescadores do povoado e para os que navegavam no oceano.
Floreios da cultura popular à parte, essa é uma história real, documentada, que tornou o indígena Bernardo um verdadeiro ídolo local. Passou a ser conhecido como caboclo Bernardo, valente desafiador das ondas do rio Doce, nascido nesse pequeno vilarejo onde o rio encontra com o mar, chamado Regência Augusta (a 120 km de Vitória).
E, desde então, como Bernardo, os moradores de Regência Augusta viveram e se desenvolveram das águas. As ondas locais atraíam turistas do Brasil todo por conta dos tubos gerados pelos mesmos bancos de areia que causaram o naufrágio do Imperador Marinheiro, em 1887. Do rio Doce, entre diversas espécies de animais, pescava-se o guaibira, peixe nutritivo e famoso na região. Durante os anos, a força heróica do caboclo Bernardo permaneceu entre os nativos como uma referência, inspirando gerações de regencianos.
No início da década de 1990, o caboclo Bernardo ganhou um busto na praça principal dessa vila de chão de terra batida bem laranja, com 1200 habitantes (IBGE 2010) e que é distrito do município de Linhares (a 55 km). Desde 2012, outro busto faz companhia ao notável nativo. É Seu Miúdo, Elídio Angelo de Macedo, principal guardião da memória do caboclo mais corajoso que Regência já teve. Lado a lado, de costas para o rio e de frente para o vilarejo, eles representam a história e a força da cultura desse pequeno — porém forte — cantinho de terra cabocla.
Em 2017, exatos 130 anos depois do lendário naufrágio, ambos os bustos firmados na beira da rua olham para a Peixaria do Flôr, fechada há quase dois anos — mas não por falta de coragem do também pescador caboclo. O estabelecimento de seu Flôr teve que fechar as portas depois do pior crime socioambiental da história do Brasil, à época.
O Resgate de Regência (35 min, documentário filmado em 2017 e lançado em 2019)